Ouvidos atentos

27 de dezembro de 2010

Mais de 15 milhões de brasileiros têm déficits de audição, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O problema é sério e não escolhe idade: 10% das crianças brasileiras em fase escolar apresentam algum tipo de perda auditiva. Não há dúvida de que a audição, único órgão dos sentidos que funciona 24 horas por dia, deve ser preservada desde o nascimento. Ela é indispensável para a aquisição e o desenvolvimento da fala e da linguagem.

Mas como saber se uma criança escuta bem? Não adianta ‘testar’ o ouvido do pequeno sacudindo chocalho, ou aumentando o volume da tevê. O melhor é os pais mostrarem-se atentos e buscarem avaliação precoce. “A deficiência no ouvido pode ser leve, moderada, severa ou profunda. As respostas do bebê aos sons variam de acordo com a intensidade do estímulo. Só um especialista pode dizer se existe perda auditiva”, garante a fonoaudióloga Mônica Jubran Chapchap (SP), coordenadora do Grupo de Apoio à Triagem Auditiva Neonatal Universal (Gatanu) e do Programa de Triagem Auditiva do Hospital e Maternidade São Luiz.

O otorrinolaringologista Manoel de Nóbrega, responsável pelo Ambulatório de Crianças e Adolescentes Portadores de Deficiência Auditiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), confirma: “A resposta auditiva esperada ao nascimento, por exemplo, é o reflexo. Se você apitar para um recém-nascido, ele terá o reflexo de olhar na direção de onde vem o som, se assustar e chorar. A criança só será capaz de localizar a fonte sonora em uma região espacial aos dois anos. Não dá para ‘achar’ que ele ouve bem, tem que fazer um teste”, adverte.

No país, uma das principais causas de perda auditiva profunda na infância é a rubéola materna contraída durante a gestação. Nesse caso, o risco de surdez no bebê é de cerca de 14%. Outras explicações para a deficiência são as infecções intra-uterinas, histórico familiar de perda de audição, incompatibilidade sangüínea pelo fator RH, internação na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em um período maior que 48 horas, parto prematuro, peso ao nascimento inferior a 1,5 kg, malformações na cabeça ou no ouvido externo, icterícia grave, anóxia (redução do teor de oxigênio no sangue) e ventilação mecânica ao nascimento.

Mas não é só. Algumas doenças requerem cuidados dobrados porque podem levar a complicações que resultam na perda auditiva, como distúrbio renal, problemas na tireóide, catarro no ouvido, citomegalovírus, herpes, sarampo, caxumba, coqueluche, otites de repetição, meningite bacteriana e toxoplasmose. “Criança que tem meningite deve ser examinada pelo médico constantemente. Na maioria das vezes, o mal provoca quadro de surdez total devido aos medicamentos”, alerta o otorrinolaringologista Ricardo Bento, do Hospital das Clínicas de São Paulo.

AUMENTANDO O VOLUME

Quando a criança tem surdez parcial, ou seja, do nervo da audição, é recomendado o aparelho ( foto ao lado), que tem a função de amplificar o som. “Em muitos casos, com o uso desses modernos equipamentos há um resgate da audição que chega a quase 100% da capacidade de ouvir”, explica o otorrinolaringologista Luiz Carlos Alves de Sousa, diretor da Sociedade Brasileira de Otologia e coordenador da Campanha Nacional de Audição. Empenhado na divulgação desse movimento, inclusive, o médico participou no mês passado, em Florianópolis, do Widex Adventure Camp, evento que reuniu portadores de deficiência auditiva de toda América Latina para a realização de provas de aventura e treinamento de corrida, visando a maratona de revezamento Ayrton Senna Widex Racing Day, que acontecerá em outubro, em São Paulo. “Foi uma iniciativa de cunho humanitário genial, com a finalidade de promover a superação da surdez e a quebra dos preconceitos que envolvem o problema”, avalia o médico. Agora, quando o caso de perda auditiva for total ou quase total, é indicado o implante coclear, também conhecido por ‘ouvido biônico’. “Um aparelho que estimula o nervo auditivo é colocado dentro do ouvido da criança e faz com que ela ouça e adquira linguagem. Quanto mais rápido for feita a cirurgia, melhores são os resultados”, revela o otorrinolaringologista Ricardo Bento.

A lista continua

Traumatismos sonoros ou físicos (como exposição contínua aos altos níveis de ruídos), pancadas violentas na cabeça, objetos introduzidos pelas crianças no canal do ouvido e – quem diria – excesso de cera no ouvido também são apontados como causas. “Um estudo de detecção de surdez realizado em 2001 pela Fundação Otorrinolaringologia (FORL), com crianças em idade escolar, mostrou que a cera altera a audição em 58,1%. Isso não quer dizer que a mãe tenha que enfiar o cotonete no ouvido do filho. A limpeza deve ser realizada apenas por fora, com uma toalha”, esclarece o médico.

A identificação da perda auditiva na criança precisa ser feita muito antes do jardim da infância. De preferência, ainda na maternidade. “Basta um simples exame chamado Emissão Otoacústica ou Teste da Orelhinha, realizado no hospital, com o bebê dormindo e dando prioridade às primeiras 48 horas de vida. É um teste rápido, com duração entre 5 e 10 minutos, seguro e indolor. Infelizmente, ainda não é rotina no Brasil”, conta o otorrinolaringologista Luc Louis Maurice Weckx, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

A IDENTIFICAÇÃO DA PERDA AUDITIVA NA CRIANÇA PRECISA SER FEITA, DE PREFERÊNCIA, AINDA NA MATERNIDADE. CASO CONTRÁRIO, O PEQUENO PODE VIR A ENGROSSAR AS ESTATÍSTICAS: HOJE, CERCA DE 10% DOS ESCOLARES BRASILEIROS APRESENTAM DIFERENTES GRAUS DE DISTÚRBIOS AUDITIVOS

Ação rápida

A avaliação é feita por meio de um pequeno aparelho colocado na orelha da criança. “O instrumento produz um estímulo sonoro e capta seu retorno. O resultado sai em um minuto. É fundamental para o recém-nascido porque detecta se há alguma deficiência auditiva antes mesmo de os pais desconfiarem. Nas grandes maternidades também é realizada a Triagem Auditiva Neonatal”, diz o médico.

Identificada a suspeita, o próximo passo é encaminhar a criança para uma avaliação mais complexa. “Serão realizados exames, como Audiometria de Tronco Cerebral – também conhecido por Bera. Nessa etapa saberemos qual é o tipo e grau de alteração auditiva”, acrescenta Luc Louis.

Quanto mais cedo for percebido o problema, melhores serão os resultados do tratamento. Estudos recentes comprovam que bebês que nascem com distúrbios de audição, de um ou dois ouvidos, terão um desenvolvimento da linguagem similar ao das crianças normais da mesma faixa etária se receberem ajuda especializada até os seis meses de vida.

No entanto, a maioria só é diagnosticada mesmo em torno de três a quatro anos de idade, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). “Para se ter uma idéia, o teste do pezinho é capaz de detectar um caso para cada 10 mil. Já o teste de triagem auditiva encontra 30 casos em 10 mil. Ou seja, a falha auditiva é 30 vezes mais comum do que a doença que originou o teste do pezinho (a fenilcetonúria, que leva à deficiência mental). Uma criança que nasce cega pode desenvolver a escrita pelo método braile; a que nasce surda pode se tornar deficiente mental se não for reabilitada prontamente”, assegura o otorrino Manoel de Nóbrega. Muitas vezes, os distúrbios auditivos são descobertos quando as crianças já estão na escola. “Elas apresentam dificuldade de aprendizado, falam alto demais e trocam as letras. Freqüentemente são consideradas desatentas ou agitadas. Por causa do diagnóstico tardio, o quadro pode até ser confundido com outros males, como o autismo, dislexia ou hiperatividade”, completa.

Para piorar, entram em cena o preconceito e a desinformação. “Já ouvi mães afirmarem que não querem os filhos usando aparelho auditivo para não revelar o problema. É um absurdo. A criança aprende a falar ouvindo. A surdez causa mais solidão do que a cegueira”, diz Manoel de Nóbrega. Fora isso, como disse o poeta Fernando Pessoa, ‘só para ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido’.

A ‘Fábrica’ do Som
graficoO ouvido é dividido basicamente em ouvido externo, ouvido médio e ouvido interno. O externo é a parte visível e corresponde à orelha e ao canal auditivo externo. O médio compreende o tímpano, os três ossinhos do ouvido (martelo, bigorna e estribo) e uma parte óssea chamada mastóide (osso que podemos apalpar atrás da orelha). Já o interno equivale à cóclea, labirinto e o canal auditivo interno. Para escutar, ondas sonoras entram pelo ouvido até atingirem o tímpano (membrana muito fina e móvel) e fazê-lo vibrar. Isso faz com que os três pequenos ossos atrás do tímpano (martelo, bigorna e estribo) se movam. Eles, por sua vez, transmitem essa vibração a uma membrana que se encontra encostada no estribo. O movimento faz vibrar a membrana da cóclea. Esta contém milhares de células ciliadas conectadas aos nervos, que transmitem os impulsos ao cérebro. Aí, você escuta!

O DESENVOLVIMENTO DA AUDIÇÃO E DA LINGUAGEM DA CRIANÇA
0 A 3 MESES: o bebê se assusta, chora ou acorda com sons intensos e repentinos (exemplo: batida de porta). Acalma-se ao ouvir a voz familiar.

3 A 6 MESES: olha ou mexe a cabeça para os lados procurando a origem do som. Reconhece a voz materna. Emite sons sem significado (balbucio).

6 A 12 MESES: localiza prontamente sons de seu interesse virando a cabeça na direção do ruído. Reage com sons suaves. Intensifica o balbucio: brinca com a voz, repetindo suas emissões (exemplo: ‘dá, dá, dá’).

1 ANO: a criança aponta e procura objetos e pessoas familiares quando solicitada. Emite as primeiras palavras (exemplo: mamãe, papai, tchau).

18 MESES: entende ordens verbais simples (exemplo: dá tchau, joga beijo) e usa palavras simples.

2 ANOS: ela aumenta seu vocabulário intensamente. Usa sentenças simples e já consegue combinar duas ou três palavras (exemplo: dá a bola). Até essa fase o pequeno deve ter iniciado seu desenvolvimento de linguagem, mostrando evolução.

Fonte: Revista Viva Saúde

Escreva um comentário