Avanço tecnológico e crianças com problemas auditivos

18 de agosto de 2011

O silêncio quase ou totalmente absoluto se impõe na vida de mais crianças do que a maioria das pessoas com a audição intacta. Na população em geral, a deficiência auditiva atinge de um a seis bebês a cada mil nascimentos. O ouvir bem está, inevitavelmente, ligado ao falar, ao se comunicar, a estar inserido socialmente.

Embora reconhecido mundialmente como uma triagem fundamental para se chegar a um diagnóstico precoce da surdez, o teste da orelhinha tornou-se obrigatório no Brasil somente em agosto de 2010. Segundo especialistas, muitos hospitais públicos e particulares ainda nem sequer dispõem da aparelhagem para realizá-lo. 

Para a criança cuja deficiência é detectada antes dos 6 meses de idade, os recursos médicos e fonoterápicos ecoam esperança. Quando aliados, eles conseguem proporcionar aos pequenos uma qualidade de vida muito próxima da de meninos e meninas que escutam os sons perfeitamente. Diversos fatores provocam a surdez infantil. Quando estão envolvidos indicadores de risco —histórico de deficiência auditiva na família, doenças na gravidez (rubéola, toxoplasmose, citomegalovírus, herpes, sífilis), prematuridade e permanência na UTI — a incidência aumenta para um caso a cada 50 nascimentos.

Segundo o otorrinolaringologista Marcelo Toledo Piza, as causas mais comuns da surdez congênita são as mutações genéticas que promovem alterações nas células do ouvido interno. Tais estruturas transformam o som em impulso nervoso, permitindo que o cérebro reconheça os estímulos sonoros. Menos comum, mas tão graves quanto, são as causas da deficiência auditiva depois do nascimento. Inflamações no ouvido, viroses e males como a meningite podem gerar o transtorno. “O teste do pezinho é um exame de triagem. Se alguma alteração for detectada, a avaliação deve ser refeita. Se a anormalidade persistir, exames diagnósticos devem ser realizados o quanto antes por um fonoaudiólogo”, orienta o médico diretor da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia. 

A impossibilidade de escutar o que se passa ao redor traz prejuízos sérios à oralidade e ao desenvolvimento cognitivo. Sem poder contar com os recursos atuais, até o início do século passado, os surdos eram internados em manicômios. As próteses auditivas e os implantes transformaram a realidade de quem consegue o diagnóstico e o tratamento precoces. “A triagem auditiva neonatal universal (Tanu) é fundamental para que intervenções médicas e terapêuticas possam minimizar, ao máximo, a limitação. Indivíduos com indicadores de risco para a surdez devem ser monitorados, ou seja, testados por mais tempo”, aconselha o médico Martin Ptok, do Hannover Medical School, na Alemanha. O pesquisador garante que todas as evidências científicas apontam que quanto antes a deficiência auditiva for detectada e tratada, melhor o desempenho que o indivíduo terá na linguagem. 

Atraso remediado
Quando o paciente perde grande quantidade de células do ouvido interno, as próteses auditivas não trazem benefício e a indicação passa a ser a cirurgia para implante coclear. “Esse dispositivo estimula as fibras do nervo auditivo. Se o diagnóstico não for tardio, o atraso no desenvolvimento infantil é mínimo. O cérebro tem plasticidade. Porém, esse benefício é mais bem aproveitado quando o problema é remediado antes dos 6 meses de idade. A fonoterapia também deve ser iniciada nessa fase”, acrescenta Marcelo Piza. 

A fonoaudióloga e neurocientista Valéria Reis do Canto Pereira reforça que a orelhinha deve ser testada até a alta hospitalar. Confirmado algum problema, exames comportamentais e eletrofisiológicos são recomendados. O objetivo é descobrir o que promoveu a surdez, caracterizar o seu tipo e o grau e saber se a perda auditiva acomete um ou os dois ouvidos.

A partir daí é determinado o tipo de intervenção para remediá-la. “Não adianta fazer a triagem, constatar o problema e não interferir. A deficiência auditiva nos primeiros meses de vida é muito sutil, os pais não a percebem. Por isso, a triagem é importantíssima. Quanto mais cedo intervirmos, menor o prejuízo e maior o sucesso das terapias fonoaudiológicas”, enfatiza. 

A reabilitação pode entrar em cena antes mesmo da colocação da prótese ou da cirurgia do implante coclear. Os fonoaudiólogos usam técnicas que estimulam a criança a desenvolver tanto as habilidades auditivas quanto a linguagem oral. “O implante não é mágico. É essencial que o paciente aprenda a ouvir e a responder a tal estímulo. Isso é incansavelmente trabalhado com brincadeiras que fazem as crianças perceberem que o mundo é sonoro”, explica a mestre em clínica fonoaudiológica e especialista em deficiência auditiva Ângela Alves. 

Segundo ela, o desafio é ensinar os pequenos a detectar, distinguir, reconhecer e compreender os sons. A conquista do desenvolvimento da audição e da capacidade de se expressar oralmente é certa, porém gradativa.

Os pais devem ser parceiros dos fonoterapeutas, participando da terapia e aplicando em casa as técnicas ensinadas na clínica. “Ninguém escolhe ter um filho surdo. Mas, lutar para que essa criança supere a limitação e fique em situação muito semelhante à de uma pessoa não afetada por esse tipo de deficiência é, sim, uma escolha. Todas as crianças têm o direito de desenvolver a comunicação oral. Para os surdos, isso é possível com a intervenção médica e a fonoterapia”, sustenta Ângela.

Reaprendizado
O pequeno Eduardo Cerqueira Cordeiro, 3 anos, já tagarela como qualquer criança da sua idade. A surdez, que comprometeu ambos os ouvidos depois do quarto mês de vida, foi remediada com o implante coclear, cirurgia realizada, com êxito, nas duas orelhas. 

A mãe do garoto, a economista Sandra Cerqueira, conta que os médicos suspeitam que uma virose pode ter provocado a deficiência auditiva profunda. “Percebi que ele não desenvolvia a linguagem e minha intuição dizia que era algum problema com a audição. A terapia foi iniciada logo após a cirurgia. Ela é um aprendizado para os pais também. A oralidade vem sendo construída aos poucos.

É emocionante vê-lo se comunicar e poder participar disso. Temos a certeza de que Dudu terá as mesmas oportunidade de uma criança sem qualquer deficiência auditiva”, diz a mãe coruja.

Vítima da síndrome de Waardenburg, o esperto João Lucas Caballero dos Santos, 5 anos, ficou surdo quando tinha 6 meses. O implante de cóclea foi feito no ouvido direito e a terapia promoveu a aquisição da linguagem. “No começo me perguntava se ele realmente conseguiria falar. A evolução foi impressionante. Meu menino frequenta a escola como qualquer outro da sua idade e está muito bem no processo de aprendizagem. A limitação está cada dia menor”, observa Carmen Caballero dos Santos, a orgulhosa mãe de João.

Sem sintomas
O citomegalovírus (CMV) é um vírus da família do herpes vírus. Estima-se que cerca de 1% dos recém-nascidos nasçam com a infecção, que é chamada de citomegalovirose congênita. A grande maioria dos bebês com CMV não apresenta nenhum sintoma porque na maioria dos casos a infecção é inofensiva. Outros, porém, apresentam vários problemas que podem não ser notados em um primeiro momento, como a surdez por exemplo.

Mal de herança

A síndrome de Waardenburg tem origem hereditária e se caracteriza por surdez e albinismo parcial (pele pálida, cabelo e cor dos olhos desbotados). O problema é herdado como traço autossômico dominante, ou seja, apenas um dos pais passa o gene defeituoso para a criança. Existem quatro tipos de síndrome de Waardenburg. A perda auditiva e a alteração no pigmento (cor) da pele, cabelo e olhos — os olhos apresentam pigmentação diferente um do outro — estão presentes em todos eles.

Fonte: Correio Braziliense

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